Minha trajetória até a Medicina

Diferente do que todos provavelmente podem imaginar, fazer medicina nunca foi o meu sonho desde criança. Tive uma infância e adolescência simples, moradora da periferia de Guarulhos, filha de pais separados e dois irmãos. O estímulo de fazer uma faculdade não existia, não possuía referências na família, não tinha tios na faculdade ou primos e por ser a irmã mais velha nem irmãos. Então, fazer uma faculdade nunca foi uma cobrança que vinha diretamente da minha família, para eles (no caso, minha mãe principalmente), eu terminando o ensino médio já estava ótimo diante da realidade dela, se conseguisse entrar na faculdade melhor ainda, o importante era eu conseguir um emprego melhor que o dela, para que não precisasse passar por tudo que passou. Meus pais, dois nordestinos, mãe pernambucana, costureira com apenas o ensino fundamental e o pai, baiano, vendedor de frutas com ensino fundamental incompleto.

“fazer uma faculdade nunca foi uma cobrança que vinha diretamente da minha família, (…) eu terminando o ensino médio já estava ótimo diante da realidade”

Eu com 4 anos

Ensino médio

Na escola sempre fui uma aluna muito dedicada, não gostava de faltar e tirava boas notas. Mas como sabemos, a realidade do ensino da escola pública no nosso país é bem precária, eu não tinha a mínima ideia de que o que eu aprendia ali, não era 10% do que eu precisava para prestar um vestibular. No ensino médio, eu nem sabia o que era vestibular, ENEM vi os professores falando uma vez ou outra, não tinha orientação alguma, por conta disso, fui buscando as informações da forma que eu pude.

Tudo mudou quando em 2011, uma professora entregou um folheto da divulgação do Cursinho Bonsucesso (na época era outro nome), ela não chegou a explicar muito sobre, apenas distribuiu para os alunos, peguei o folheto li e vi que era para a turma do segundo semestre de 2011, curso pré-vestibular e concurso, me interessei, mas decidi que iria apenas no ano seguinte e me dedicaria o ano inteiro.

“(…) a realidade do ensino da escola pública no nosso país é bem precária, eu não tinha a mínima ideia de que o que eu aprendia ali, não era 10% do que eu precisava para prestar um vestibular”

Entrada no CCB

Em 2012, quando conheci o cursinho, parece que minha visão se abriu, pude conhecer um mundo que até então era total desconhecido, isso não só em relação às matérias que nunca nem ouvi na escola, mas entender um pouco sobre o mundo que vivemos, a realidade que me cercava, desenvolver um senso crítico, me transformei em outra pessoa. No início foi um choque, perceber que com tantos anos de estudos na escola, a defasagem que eu tinha (mesmo sendo uma aluna que sempre prestou atenção nas aulas) era enorme, mas por outro lado foi um dos anos que mais aprendi em toda minha vida, me dedicava muito, assim como hoje, o cursinho era aos finais de semana, na semana tinha escola pela manhã, fazia um curso da prefeitura à tarde, teatro a noite (1x na semana), e quando sobrava estava resolvendo os exercícios da apostila do cursinho. Foi nesse período que comecei a ter um contato com matérias que não tive na escola, conhecer melhor minhas afinidades.

            Como disse no início desse depoimento, medicina nunca foi meu sonho de infância, foi um processo puramente gradativo, primeiro de autoconhecimento, entender minhas afinidades, o que realmente eu gostava, entender a profissão que mais se encaixava comigo, e segundo a aceitação, eu tinha basicamente medo, depois que tive noção do quão concorrido e difícil era passar no vestibular de medicina, de quão era uma área restrita e elitizada e tinha apenas duas alternativas, que era entrar numa universidade pública (que a concorrência era, e ainda é, altíssima) ou conseguir uma bolsa de estudos, pois não teria nunca condições de bancar um curso que gira em torno de R$ 8.000 a R$13.000 a mensalidade, era totalmente fora da minha realidade. Assim, eu tinha muito medo de me frustrar, de não passar, de nunca conseguir, “perder tempo”, entre muitos outros pensamentos que me sabotaram por muito tempo.

“No início foi um choque, perceber que com tantos anos de estudos na escola, a defasagem que eu tinha (…) era enorme”

Sarau do CCB em 2016

Trajetória até a aprovação

No final de 2012, consegui uma bolsa 100% pelo PROUNI em arquitetura, mas eu sabia que não era o que eu realmente queria fazer e no ano seguinte, consegui um desconto (cerca de 90% do curso) num cursinho particular de Guarulhos, que mesmo com as dificuldades e com muito esforço meus pais conseguiram pagar.

Em 2013, ficava o dia todo e a semana inteira no cursinho, final de semana ia para o CCB para poder ver mais aulas, tirar dúvidas e ver o pessoal, é um ambiente bem agradável. Foi um ano bem difícil (financeiramente), diversas vezes minha mãe precisou ir andando para o trabalho para poder me emprestar o bilhete e eu ir até o cursinho. Nessa época, eu já pensava em prestar medicina, mas não falava para ninguém, porque já sabia as respostas que receberia, “mas é muito difícil”, “tem certeza?”, “viu a nota de corte?”, “fulano tá há 5 anos tentando e não passou”, dentre outras frases que já tinha decorada, então preferia apenas dizer que iria prestar qualquer outro curso.

            Em 2014 não passei no vestibular, acredito que foi um dos anos mais difíceis da minha vida, porque a frustração foi muito grande, coloquei muita expectativa mesmo sabendo que era muito difícil e com isso o corpo começou a dar sinais de que não estava lidando bem com a situação, emagreci muito, comecei a ter crises de pânico e ansiedade, foi um processo e período bem difícil. Ao mesmo tempo, eu não deixava meu subconsciente desistir, como sabia que meus pais não poderiam me bancar por mais 1 ano de cursinho, procurei um emprego e no final de 2013 consegui um de jovem aprendiz num hospital, foi uma espécie de plano B, se eu não passasse no vestibular daquele ano, me dividiria entre trabalho e cursinho no ano seguinte, e foi exatamente o que aconteceu.

“(…) eu tinha muito medo de me frustrar, de não passar, de nunca conseguir, “perder tempo”, entre muitos outros pensamentos que me sabotaram por muito tempo.”

            Comecei a me dividir em cursinho e trabalho, era bem cansativo, mas eu brinco que era uma “amostra grátis” do que ainda estava por vir. A parte mais desgastante dessa época, era o transporte, acordava muito cedo (por volta das 4h50) para ir trabalhar (trabalhava na região central de SP), e demorava muito para chegar em casa, devido ao trânsito caótico de Guarulhos. No ano seguinte (2015), não passei novamente, e decidi que não iria fazer mais cursinho, iria estudar por conta própria, já que foram 3 anos em cursinho, acreditava que já tinha direcionamento para isso. Assim fiz, poupei mais tempo de estudo, saía do trabalho 13h da tarde, almoçava minha marmita no trabalho e ia andando até o Centro cultural da Vergueiro (para não ter que gastar dinheiro com passagem), era o local mais próximo do meu trabalho que eu conhecia, onde tinha uma biblioteca pública para estudar. Lá, eu ficava até fechar, aproximadamente até às 20h, às vezes eu me sentava na mesa do lado de fora da biblioteca e ficava estudando mais um pouco, assim eu pegava o transporte menos cheio e o trânsito mais tranquilo.

            Em 2016, não passei novamente, foram muitas “bolas na trave”, sentimentos de desistência cada vez mais presentes, escutava muito das pessoas do meu trabalho que eu estava “perdendo tempo”, deveria fazer qualquer curso e tentar crescer na empresa que eu já estava trabalhando. Mesmo eu ouvindo de todos os lados que eu deveria desistir, que já estava ficando velha, perdendo muito tempo com isso, que não iria dar em nada, desistir nunca foi uma escolha para mim, tinha meus picos de desmotivação, o que é normal, mas bater o martelo dizendo que não iria mais continuar, isso nunca permiti. Foi quando em 2018, eu decidi procurar faculdades privadas, que tivessem vestibulares próprios e que fornecessem bolsas, até então, eu só prestava universidade pública e tentava PROUNI pelo ENEM, nessa época estava disposta até de tentar Fies de tão cansada e fadigada estava da rotina de vestibular. Depois de muitas pesquisas, vi no site da Vunesp o vestibular da Universidade 9 de Julho para medicina aberto, e além disso tinha bolsa 100% e no campus de Guarulhos, não pensei duas vezes em me inscrever.

“Mesmo eu ouvindo de todos os lados que eu deveria desistir, que já estava ficando velha, perdendo muito tempo com isso, que não iria dar em nada, desistir nunca foi uma escolha para mim(…)”

Como eu sempre tento me planejar para as coisas antes mesmo de acontecer (mal de virginiana), no ano de 2018 eu entrei num acordo onde eu trabalhava e mudaram meu turno para a noite, já estava pensando caso eu viesse a passar em algum lugar, iria tentar conciliar as duas rotinas por um tempo, porque eu sabia que não daria para depender dos meus pais, ainda mais uma faculdade tão longa, como medicina.

Passei e agora?

No final de 2018, o resultado do vestibular da UNINOVE que estava programado para um dia, foi adiado para o dia seguinte, deixando a ansiedade a mil. No outro dia, saindo do plantão, era por volta das 07h30 da manhã (não me recordo muito bem), fui olhar por curiosidade se a lista havia saído, e lá estava ela. Quando abri, e vi meu nome, foi uma sensação muito estranha, ao mesmo tempo de alívio e gratidão, tinha a preocupação do “e agora” (sempre sofrendo pelo futuro que nem viveu), mas não tinha muito tempo para ficar pensando e sofrendo com antecedência, no mesmo dia eu tinha que ir com os documentos para matrícula. Acredito que a ficha caiu mesmo, quando cheguei em casa e vi minha mãe chorando, o olho brilhando e com orgulho, porque ela mais que ninguém sabia o tanto que foi difícil para se manter firme até ali.

“Quando abri, e vi meu nome, foi uma sensação muito estranha, ao mesmo tempo de alívio e gratidão (…)”

Espelho da Aprovação

Vida universitária

Bom, e como está sendo hoje? Lembra de quando eu disse que estava vivendo apenas uma “amostra grátis” do que poderia vir? Pois bem, hoje continuo trabalhando durante o período noturno, e fazendo a faculdade durante o dia, por ser em período integral, por enquanto não tenho uma alternativa de mudança de turno do meu horário de trabalho. Está sendo bem difícil e desafiador, não é um curso fácil, com uma carga horária e conteúdo programático muito extenso, e ao mesmo tempo ter que lidar com cansaço extremo, sono, estresse e as responsabilidades da vida, dificulta muito o processo. Mas, seguimos firmes nessa trajetória, buscando não deixar a saúde mental se abalar (ainda mais nesse período de pandemia que complica mais ainda para todos), tentar se agarrar ao que te mantém forte, e seguir dia a dia. Acredito que a vida é feita fases, e como toda fase, ela passa.

“(…) ter que lidar com cansaço extremo, sono, estresse e as responsabilidades da vida, dificulta muito o processo”

No campus da faculdade

Quero dizer aqui que sou muito grata ao CCB, não apenas por ter me mostrado outras visões desse mundão, mas por ter me dado a oportunidade de ter tido contato com tanta informação, acho que se hoje cheguei aqui, foi porque eu acreditei naquele folheto que vi em 2011 e eles acreditaram em mim, me apoiaram muito nessa trajetória, tenho amigos daquela época até hoje. Sou eternamente grata a minha família que também nunca duvidou que eu pudesse não conseguir, principalmente minha mãe, Dona Maria José. Sou grata a todas as pessoas que já estiveram presentes nessa trajetória e as que ainda estão, me apoiando para que eu continue firme nessa jornada.

“Quero dizer aqui que sou muito grata ao CCB, não apenas por ter me mostrado outras visões desse mundão, mas por ter me dado a oportunidade (…) e eles acreditaram em mim, me apoiaram muito nessa trajetória, tenho amigos daquela época até hoje.”

Por fim, a mensagem que eu quero deixar, não é a meritocracia que tanto escutamos por aí, de que “é só ter força de vontade que você consegue”, sabemos que não funciona desta forma, há diversas variáveis envolvidas, a desigualdade do país é absurda. Mas, o que eu quero deixar aqui registrado, é que as pessoas sempre vão ter opiniões e querer expô-las, não deixe que isso abale ou interfira no que você pensa, no que você é, o que você quer para sua vida e o que você sonha.

“(…) as pessoas sempre vão ter opiniões e querer expô-las, não deixe que isso abale ou interfira no que você pensa, no que você é, o que você quer para sua vida e o que você sonha.”

“Somos do tamanho dos nossos sonhos”

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